A esperança é a última que morre. Mas morre...

Um conto passional sobre desilusão, ódio, amor próprio e vingança.



"Bem sabes Tu, Senhor, que o bem melhor é aquele /Que não passa, talvez, de um desejo ilusório. /Nunca me dê o Céu... quero é sonhar com ele /Na inquietação feliz do Purgatório." (Da inquieta esperança - Mário Quintana)




Entrou naquela sem muitas expectativas, mais pela farra, pelo momento, pela cara bonita e o bom papo. Achava que não iria para frente, só mais um na balada. No entanto ficou impressionada quando viu o rumo que as coisas haviam tomado.E foi desta impressão que ela – imune, ou pelo menos, “escolada” em paixonites – se deixou levar por mais uma.

- Eu só me meto em roubadas! – Pensou enquanto dirigia o carro apressadamente.

O tempo passou, as coisas não eram exatamente como ela queria ou sonhava – gostava de atenção – mas estava, no fundo, curtindo este novo estilo. E no estado em que ela estava: carente, desolada e saindo de uma das piores roubadas que ela havia se metido até hoje, aquilo era melhor que nada. Em meio ao turbilhão que ela vivera nos últimos meses era, digamos, consolador.

Ele era uma pessoa interessante. Aquele ar misterioso deixava o clima inebriante, desafiador. E, nada melhor que um novo desafio, pensou ela. Lembrou de como as coisas haviam ficado “quentes” e do quanto ela teve que se controlar.

- Dos males, o menor. Pelo menos, resisti à tentação! – Aduziu olhando o relógio e batucando o volante. Guardando para si um sorriso despretensioso...

Então ela passou mentalmente a loucura que havia sido seu início de ano até agora. Fez tanta coisa, conheceu tanta gente que, de repente, se dera conta que ainda não havia parado para respirar, para fazer um saldo de todas essas informações. Estava a ponto de enlouquecer e do nada, aparecia esse “sabe-se-deus-quem”, para bagunçar ainda mais a situação. Um sentimento de ódio e vingança acometeu a sua cabeça e seu único pensamento foi o de aniquilar qualquer lembrança, por mais remota que fosse, deste ser. Não havia nada que ela detestasse mais que enrolação. Não aceitava ser feita de boba. Aquilo era subestimar sua capacidade de raciocínio e não havia como admitir tal desatino. Pegou o celular, releu a mensagem, rangeu os dentes. Fez uma cara tão maquiavélica que o pedinte que batia no vidro do lado de fora se assustou e foi pedir no carro ao lado.

- Agora é a minha vez. Sei bem como acabar com isso! – buzinou incessantemente para o carro da frente, pisou fundo no acelerador, saiu desembestada e quase atropelou uma velhinha.

Sabia aonde ia, sabia o que queria. Ligou para o cliente que a aguardava, inventou (apesar de detestar) uma desculpa esfarrapada e remarcou a reunião para outro dia. Aquele negócio podia esperar. Enquanto descia a Contorno, ligou para ele, marcou um happy hour.

- Cara de Pau! Aceitou ir de pronto. - Como era mesmo que ele havia falado? -Aproveito cada momento, quero curtir. - Então, que assim seja. – Esbravejou em alto e bom som, frizando o amém.

A avó de uma amiga, senhora vivida e cheia de segredos, conhecia um Botica. Em pleno século 21 eles ainda persistiam ao tempo. Pegou o endereço, e rumou até lá determinada. Não precisou esperar, nem dar explicações, apenas pediu e foi atendida. Sem perguntas, sem respostas.

- Pequeno frasco. Grande estrago. – Foram as únicas palavras que ela conseguiu pronunciar ao sair placidamente pela pequena porta.

Enquanto dirigia rumo ao destino fatídico ficou repetindo para si mesma a razão pela qual havia tomado àquela decisão.

- Quer? Quer. Não quer? Não quer. Mas faça o favor de sair da minha vida.

- Cansei de joguinhos infantis. De ficar decifrando códigos.

- Chega! Pra quê me contentar com migalhas se posso ter o pão inteiro?

E assim foi, até chegar naquele bar na Savassi. No momento em que adentrou o lobby lembrou das inúmeras vezes em que esteve lá, junto dele. Lembrou dos momentos em que ficaram ali, discutindo sobre política, música, cinema, arte e, é claro, a rivalidade entre seus times de futebol. As lembranças ainda tomavam conta de sua cabeça. O lugar, apesar da hora, estava vazio e ela procurou um local aberto porém aconchegante. Se tinha que faze-lo, seria em grande estilo. No rádio tocava uma balada – “Sou capaz de mudar...de te ofender...de te machucar...mas não de ter esquecer...” – enquanto aguardava o garçom e a sua dose de Buchanas “Posso bater com a cabeça na parede...posso fingir que não sou inteligente...Posso pensar em vingança e traição...” – ela, pacientemente, arquitetava seu plano e lembrou, mais uma vez, de que pensara que ele seria uma nova chance, que ainda havia uma esperança. Terno engano daqueles que são, por natureza, românticos.

Ele chegou, camisa despojada, jeans surrado, aquele tênis velho (ela adorava!), balançando a chave do carro – num som que quase dava um samba – sorriso de quem se julgava, literalmente, a última bolacha do pacote. Ela apenas sorriu, acenou e aguardou que ele se aproximasse. Cumprimentaram-se:

- Olá! – Disse ele ajeitando os óculos a la Clark Kent

- Olá! – Respondeu ela com um sorriso de Monalisa.

Nesse meio tempo, enquanto falavam o trivial, ele chamou o garçom, perguntou o que ela tomava – Whisky, claro! – ele a acompanhou e pediu uma dose com Redbull, - Te dá asas! – Brindaram – Á nós! – Conversaram sobre família, sobre trabalho, falaram dos amigos em comum. Mais tarde, ele pediu licença para levantar-se e foi até o banheiro. O garçom trouxe outra bebida e ela olhava fixamente para aquele copo baixo, liquido gelado, alcoólico. Tirou da bolsa o frasco, despejou no copo, ficou olhando o pó esbranquiçado se misturar a cor âmbar da bebida e ao gelo, desaparecendo como mágica. Quando ele retornou, ela ainda olhava fixamente para o copo, hipnotizada. Ele achou estranho, mas nada comentou, apenas sentou-se e tomou um generoso gole.

Foram segundos, mas ele pode vislumbrar nos olhos dela um brilho quase que diabólico e, se não fosse o ar a faltar-lhe, diria que tivera a certeza de vê-la sorrir. Aquele sorriso lindo naquela boca que tanto beijara, pensou confusamente. Um odor amargo, como amêndoas, surgiu sutilmente no ar. Ele não conseguiu distinguir, mas ela sim. E, olhando para aquela cena, o contemplou ali, sentado, olhos exageradamente abertos, face ruborizada, peito arfante, quase desfalecendo sob a mesa.

Ela, que estava de pé, sorriu – de fato, aquele mesmo sorriso que o conquistara naquela noite – inclinou-se sensualmente e disse-lhe ao pé do ouvido:

- A esperança é a última que morre meu caro. Mas morre...

Saiu triunfal, e podia-se ouvir ao fundo o toc-toc de seus sapatos Scarpin tocando de leve o assoalho de madeira bem cuidado. As pessoas que lá estavam conversavam animadamente, sem nada perceber e continuariam assim por toda a noite.

No outro dia lera as manchetes nos jornais: - Crime Passional em famoso bar da Capital – Suspeita-se que o homem de aproximadamente 30 anos tenha sido assassinado por ciúmes. Os crimes passionais... – Dobrou o jornal e o colocou no banco do passageiro. Aquele havia sido sim, um crime passional. Mas a paixão era na verdade, amor próprio, paixão por ela mesma. Então, ela lembrou da música e cantarolou alegremente:

- “Gosto de ser cruel...pra chamar sua atenção...”

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Postscriptum:

Caros Amigos. Finalmente, nasceu! Está aí para quem quiser ler e comentar. Peço sinceras desculpas pelo tamanho. É empolgação de iniciante... mas, fiquem tranquilos, passa! Abraços saudosos!

Comentários

Igor Torres disse…
baby, parabéns!!!! ficou suuuuuuuuuuuuper legal... pra vc ter uma idéia comecei a ler e não consegui parar! Tá no caminho certo!

Bjo!!!!
Frederico Bernis disse…
Muito Bom, Bailarina!
Ou melhor: Assassina da Sandália de Prata...

Tem hora que só matando mesmo...
Beijão.
fred disse…
Ainda bem que não tomo whisky...
Anônimo disse…
Fiquei pensando se você teria coragem... Depois constatei que sim. Você é razão em você mesma. Fidelidade á você e ao que quer.

E eu? Eu me arriscaria...novamente.

Beijo

VH
Anônimo disse…
Graças a Deus meu irmmão voltou pra casa hj né D. Cinara!kkkk

Amiga, gostei d+ daki, c tá sumida...o Vit sempre passa por aqui e hoje sou eu!

Ahhhh ele não disse aí em cima...mas ele tá em BH! Vamos fazer algo no FDS?

Bjo e Saudades!

Cathy
Marcos disse…
Gostei, xuxuzim!

Delicia demais
Bailarina disse…
Este comentário foi removido pelo autor.
Bailarina disse…
Gente...acho que estão confudindo a criatura com a criadora...Quem me conhece sabe...eu sou um amor de pessoa...incapaz de matar quem e o que quer que seja...mas é claro que no papel a gente deixa a imaginação fluir...aí só Deus sabe onde vou parar...

Lindos, obrigada pelos comentários!

Tão logo eu tenha outro inside...vou postar um novo conto!Aguardem!

Bjoooooooo
Anônimo disse…
Nossa... sinceramente, me vi na cena!!!! rsrsrsrs
Achei por acaso esse blog e amei!!!!
Parabéns!
Flávia

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