Pra trás
"Fechei os olhos e pedi uma favor ao vento: leve tudo o que for desnecessário. Ando cansada de bagagens pesadas. Daqui pra frente apenas o que couber no bolso e no coração."
(Cora Coralina)
Deixa pra trás é uma decisão difícil. É desfazer-se de um peso que, sabe-se lá porque, você já acostumou a carregar. No inicio é estranho, a gente anda meio descompassado, com aquela sensação de que largou uma luz acessa, uma porta aberta ou esqueceu-se de colocar comida pro cachorro.
Deixar pra trás faz parte de algo grandioso que quase nunca conseguimos compreender na sua totalidade e, por vezes, nos rebelamos por achar que ao invés de deixar algo para trás, somos nós que ficamos pelo caminho. Dos outros, de alguns, da gente mesmo. Quase nunca compreendemos também que faz parte do processo individual e que não somos capazes de mudá-lo a mercê da nossa vontade. Deixar pra trás independe de nós, uma hora ou outra, contra ou a favor do que a gente quer ou pensa: papéis, sensações, sentimentos, gostos, desgostos, sucessos, decepções e pessoas - principalmente pessoas - vão ficando pra trás da nossa estrada.
Dói. É, eu sei, dói bastante. Mas é apego e passa, isso eu também sei. Deixar pra trás é doloroso, assim como levar adiante também é. Por isso, cabe a cada um a sua dor, inevitável e necessária. Deixar pra trás é um parto. Nasce ali um novo espaço, uma nova perspectiva, assombrosa, mas ainda sim, renovadora. Deixar pra trás é abrir caminho para o novo, que sempre vem. Com a força de mil leões: impávido, imbatível, infalível.
Deixar pra trás nos isenta de porquês, pra quês, ‘até quandos’ e, principalmente, de ‘para sempres’. Deixar pra trás é o fim e é o começo, é o ‘mas’ e o ‘contudo’, é o antes e o depois, o agora e o nunca. Deixar pra trás é jogar pela janela, perder o que nunca de fato se teve, é seguir em frente rumo ao desconhecido que somos nós mesmos, é acreditar que há muito pelo caminho. É uma das poucas certezas que a gente tem que é possível continuar, sempre.
Comentários
Saudade de ler seus textos! =)