Minha glória




Desde o início da pandemia venho tentando limpar minha caixa de e-mails pessoal. Tarefa hercúlea, são ao menos uns 10 anos usando o gmail, coisas demais, histórias demais, recordações demais. Vira e mexe eu paro em uma cadeia de e-mails imensa, mensagens trocadas com meus melhores amigos, com alguns amores, vou ali relendo e revivendo, tem muita intensidade nas palavras, vou saboreando cada uma delas, como se elas fossem um fruto doce, ao mesmo tempo que me sinto maravilhada com essa capsula do tempo involuntária.

A pandemia deixou a gente saudosista para o diabo, como se não bastasse isso, tem o fim do ano que, incontestavelmente, traz consigo um momento bad, daqueles em que a gente quer acender um cigarro, tomar um trago, chorar ouvindo Belchior, ‘tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro’… Cara, eu só queria poder dizer que vai tudo melhorar, que dias melhores virão, mas, sei lá, não quero me comprometer com uma promessa dessas, quase infundada, desesperançosa. Na verdade, eu só quero mesmo que esse ano termine, mas não posso ser ingrata com 2020, estamos aí, vivos, quanta gente passou, virou lembrança de alguém que talvez vá limpar sua caixa de e-mails ano que vem, virou existência para além das dimensões de tempo, espaço, matéria, pó. E a gente aqui, de pé. 

Eu tento não me apegar as lembranças da caixa de e-mail, eram tempos bons, mas o tempo do verbo dita aonde elas devem permanecer. Dá um aperto doído, eu realmente gosto das lembranças, eu sei que não preciso me desfazer delas, que o cumulus ninbums da modernidade permite que elas persistam, perseverem, permaneçam, até quando eu não. Por hora, enquanto eu fico aqui, com meus recuerdos, pra esse ano eu só consigo pensar nos versos dos Mutantes, ‘desculpe babe, mas eu já me decidi, desculpe babe, eu vou viver mais pra mim, eu vou correndo a glória…minha glória".

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Postscriptum:

Às vezes eu ainda publico aqui, palavras parcas, só pra registro, quem sabe um dia eu retome? 

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