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Love in the dark

(Leia ao som de Love in the dark , da Adele) Todo relacionamento começa no escuro, no desconhecido espaço do outro e tudo o que ele traz consigo. Raramente a gente avalia a carga disso, a gente pega nossas coisas, nosso espaço e pula, pula torcendo pra essa piscina não ser rasa.  Amamos no escuro, neste confortável lugar onde a gente só precisa, de certa forma, se conectar. Nesse espaço-tempo onde o amor serve de amálgama, consolidando tantos outros sentimentos. O amor, esse ser resistente, persistente, insistente. Ele cresce no escuro, nas zonas abissais que a luz da clareza, da razão e do senso muitas vezes não entra. O amor cresce, floresce e perece.  E aí não se pode mais amar, no fundo da piscina que nossos pés tocam. Naquele lugar onde o desconforto nos convida, gentil como um rinoceronte em fúria, a sair. Não dá tempo pra juntar tudo, se pega o essencial, às vezes, nem isso. Então, se faz o movimento de volta à superfície, sem tempo pra descompressão, apenas de dar ao pulmão - q

Bem mais que meus vinte e poucos anos

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(Leia ao som de Vinte e poucos anos , do Fábio Jr, com Filipe Catto) Dia desses fui receber uma encomenda e o rapaz que entregou perguntou meu nome, o pacote estava em nome do André, respondi: Ci-na-ra, já emendando um 'com C de casa e N de navio', porquê raios não sei, todo mundo escreve Simara - certamente por conta da cantora de sertanejo, mas me recuso a aceitar isso. Logo em seguida, ele me solta: nossa, mas você é nova pra chamar Cinara, as únicas que eu conheço são avós! Eu nem pude falar muita coisa, a única Cinara que eu conheço foi a que deu inspiração pro meu pai e, no google que eu dei, vi que ela já tem mais de 70. Então, fiz troça falando que eu era jovem com alma de idosa, por isso o nome era bem próprio. Mal sabia ele que a jovem aqui já está quase na casa dos quarenta, 39 é meu último ano nos 'inta'. O terceiro aniversário na pandemia foi há poucos dias e a dor nas costas, a paz da casa arrumada e o celular no silencioso full time , tomaram o lugar

Meu cachorro me sorri latindo

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(Leia ao som de O portão, com Roberto Carlos) No último dia 16 o Lucky partiu. Há algum tempo ele estava com a saúde bem ruim, embora todos os meus esforços para que a fase idosa dele fosse com a melhor qualidade possível - e, acredite, eu não poupei força, nem grana. Acho que ele estava cansado dessa vida de vai no veterinário, toma '500 e 50 e 10' remédios, não pode subir escada, sofá nem pensar, tira os brinquedos pra ele não ficar agitado; eu já estava cansada, imagina ele, cujas únicas funções na vida eram: correr e latir pro gato do vizinho, tirar uma sonequinha encostadinho na gente, brincar com todos os seus brinquedinhos e ser perfeito sem defeitos.  Eu sempre soube que ele partiria um dia, confesso que não esperava que fosse depois de 11 anos com a gente. Talvez, se eu desse todas as condições, ele poderia viver mais um tempinho, pensava esperançosa. Eu também já sabia sobre esse luto, sobre a dor de ter de vê-los partir quando a gente queria que ficassem e eu também

Chove lá fora e aqui

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(Leia do som de Singing in the rain, com Gene Kelly) Faz dias que chove quase que intermitentemente em BH. Eu adoro chuva, mas nem sempre foi assim. Pra além dos estragos que o excesso de dela causa num mundo completamente desigual e depredado, a chuva me impedia normalmente de sair e isso me deixava possessa quando ‘as águas de março resolviam fechar o verão’. Há um tempo que, entre sair e ficar em casa assistindo algo na Netflix, lendo um livro ou simplesmente tomando meu vinho enquanto escrevo, eu prefiro a segunda opção. Ok, o contexto da pandemia (putz, 2 anos já!) não favorece colocar a cara no sol ou na chuva (já que São Pedro não anda economizando nesse início de ano), mas, convenhamos, eu já fui mais ‘rueira’. Na semana passada falei na terapia que conviver com pessoas tem sido complexo, talvez por isso eu tenha gostado tanto de ficar em casa – onde passo boa parte do tempo só, salvo quando o André está – e me preocupava certa nuance de fobia social: o ser humano me deprime, e

Minha glória

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Desde o início da pandemia venho tentando limpar minha caixa de e-mails pessoal. Tarefa hercúlea, são ao menos uns 10 anos usando o gmail, coisas demais, histórias demais, recordações demais. Vira e mexe eu paro em uma cadeia de e-mails imensa, mensagens trocadas com meus melhores amigos, com alguns amores, vou ali relendo e revivendo, tem muita intensidade nas palavras, vou saboreando cada uma delas, como se elas fossem um fruto doce, ao mesmo tempo que me sinto maravilhada com essa capsula do tempo involuntária. A pandemia deixou a gente saudosista para o diabo, como se não bastasse isso, tem o fim do ano que, incontestavelmente, traz consigo um momento bad, daqueles em que a gente quer acender um cigarro, tomar um trago, chorar ouvindo Belchior, ‘t enho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro ’… Cara, eu só queria poder dizer que vai tudo melhorar, que dias melhores virão, mas, sei lá, não quero me comprometer com uma promessa des

Home Office

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(Leia ao som de Capitão da Indústria, do Paralamas) Antigamente achava que home office seria uma boa, que não gostaria de trabalhar de casa, sem tem de enfrentar trânsito, um ou dois dias na semana? Na verdade, até acredito que seja, mas nas circunstâncias de distanciamento social, a única coisa que vi com o home office é que logo estaria cansada de todos os cômodos do meu apartamento e faria falta o habitual burburinho do escritório. Tenho sentido uma falta absurda de ir pro trabalho, de me arrumar correndo, da minha mesa, da minha cadeira, da voltinha pela Savassi na hora do almoço, das pessoas com quem eu convivo por lá. Não que eu seja a mais extrovertida da empresa, meu trabalho exige de mim atenção focada e, por vezes, eu estou de fone, ou abafador, já que trabalho numa sala com mais 7 pessoas, mas até a conversa descontraída no meio do expediente tem feito falta à minha rotina. Veja bem, eu adoro minha casa, ela foi pensada pra mim, tá certo que

Um céu cheio de música

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(Leia ao som de Sky full of song, da Florence and the machine) Eu nunca pensei que ia chegar aos 37 desse jeito: trancada em casa, sem poder sair, revoltada com a atual presidência (#ForaBolsonaro), preocupada com os próximos meses, sem receber os abraços e beijos dos meus. E, olha, eu já tinha pensando em chegar aos 37 casada com filhos, casada sem filhos, solteira sem filhos, solteira com filhos, viúva alegre, divorciada com 5 gatos, 12 cachorros e 1 jabuti, eu também pensei em chegar aos 37 morando em outro país, trabalhando numa multinacional, dirigindo pra tudo quando é lugar e com o cabelo menos grisalho do que ele está hoje. Mas, nem de longe me assombrava o pensamento de chegar  à uma nova idade em meio à uma pandemia, em confinamento, com medo,   deslocada da rotina que, embora critiquem alguns, é o que dá sentido na vida da gente. Eu nunca, nem nos meus piores pesadelos ou crises de ansiedade, consegui pensar que eu estaria assim, como estou   agora, tentando ma